Primeira vez que contei
Estava de ferias em Lisboa, onde tinha tirado a minha licenciatura e onde conhecera pessoas maravilhosas, que ainda o são e que continuam a ficar na minha memória, no meu coração e na minha vida. Estava com dois amigos recentes, que nada sabiam da minha vida privada. Partilhávamos a casa de ferias, mas a liberdade de movimentos era gigantesca, cada um fazia o que queria.
A primeira pessoa a quem resolvi contar foi a uma dessas amigas. Àquelas a quem sempre me referi como a “minha irmã que não é de sangue”, a S.
Ela, apesar de estas a trabalhar naquela altura (Agosto), tinha sempre tempo para estar comigo no final do dia, quer para tomar uma bebida, quer para jantar. Aquela ligação com a S era tão forte e intensa, que me incomodava e perturbava cada dia mais o facto de lhe mentir. Pois para mim o não lhe contar quem eu era, era como mentir-lhe.
Alguns perguntarão: “quem eu era?” Claro que eu era a mesma pessoa, mas havia um pormenor que me fazia ser diferente, pois tinha que lhe mentir e/ou omitir muitas situações e episódios da minha vida. Por isso sempre achei que eu não era e não sou a mesma pessoa quando escondo a minha sexualidade. Como alguém escreveu há pouco num blog: até parece que temos dupla personalidade. E isto eu decidi há três anos atrás que não o volto a fazer com as pessoas que amo.
Numa daquelas tardes de ferias, por telefone, combinamos jantar num bom restaurante. Queria que a minha primeira revelação fosse marcante. Fomos a um bom restaurante em Lisboa. Jantamos. Durante todo o jantar tentei induzir a “conversa”, mas parecia que ela sabia onde queria ir e desviava-a sempre.
Até que o momento chegou: “S, tenho uma coisa sobre a minha vida para te contar; não quero que te afastes de mim, que me entendas, que sou sempre a mesma pessoa; só que estou cansado de te mentir e tu não mereces que eu te faça isso…” Refiro-me àquele discurso que todos ensaiamos para contar a alguém pela primeira vez.
Reacção: impávida e serena, resolveu responder-me que não era novidade, que já desconfiava, que o que sentia por mim não iria sofrer alterações. Foi muito bom ouvi-la dizer aquelas coisas. Mas os dias seguintes eram totalmente antagónicos a tudo aquilo.
Esteve sempre muito ocupada no resto das minhas férias. Sem tempo nem para um café. Apenas a voltei a ver no dia da minha partida, para se despedir e dizer-me que precisou daquele tempo para digerir e assimilar aquela novidade. Apesar daquilo ter soado muito estranho, demonstrava o quanto eu era importante para ela. Como quando dizemos a um irmão e ele, apesar de desconfiar, preferia que nunca lhe tivessem confirmado.
Ainda hoje ela é a minha “irmã que não é de sangue”. Adoro-a.